Artigo de Leão Serva, publicado na Folha de S. Paulo na data de hoje
Quem não pecou, atire a primeira pedra do impeachment
Começa nesta
segunda-feira, 21, a Semana Santa, quando os cristãos rememoram a morte e
ressurreição de Jesus, em uma sucessão de episódios que coincidiram com a
comemoração de uma Páscoa judaica, em Jerusalém, há cerca de 2 mil anos atrás.
Nestes próximos dias, os que observam os ritos religiosos vão viver dias de
contrição e reflexão sobre o significado da passagem de Cristo.
Uma das reflexões
mais conhecidas (foi a leitura do Evangelho nas missas do Quinto Domingo da
Quaresma, dia 13/3) é a história da mulher flagrada em adultério, levada diante
de Jesus por fariseus que querem apedrejá-la, como previsto nas suas
escrituras. Ele responde: "Quem dentre vós não tiver pecado, seja o
primeiro a atirar-lhe uma pedra". As pessoas todas vão se afastando,
quando Cristo se dá conta, está só com a mulher. "Ninguém te
condenou?" "Então pode ir embora, mas não peque mais".
É tão popular a
passagem do Novo Testamento que até virou mote de uma canção de Ataulfo Alves:
"Atire a primeira pedra, aquele que não sofreu por amor"...
Jesus não sancionou o
comportamento da mulher ("Não peque mais"), mas questionou a
sinceridade dos que queriam condená-la. Um delito é condenável em si, um
assassino é criminoso mesmo se não for descoberto pela polícia. Mas quem o
acusa publicamente não deve ser um assassino também.
Descendo dos
Testamentos para o mundo, há um certo índice de hipocrisia no Comportamento
Nacional Bruto do brasileiro que tira credibilidade de boa parte de seus
julgamentos públicos. Um exemplo comum: o taxista comenta que muitos
passageiros, depois de criticar "os políticos corruptos" pedem recibo
com valor maior que a corrida. Vão praticar uma pequena corrupção consentida.
Muitos aceitam no cotidiano o que condenam nos políticos, como mostrou um
recente levantamento sobre a moral do brasileiro.
A coincidência entre
a tramitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no
Congresso e a Semana Santa talvez coloque uma oportunidade para as pessoas que
querem condená-la, ou as que querem absolvê-la, passarem pelo rigor de seu
crivo o próprio comportamento.
"Atire a
primeira pedra quem não cometeu uma pedalada", quem nunca pagou suborno,
quem não tentou arrumar "foro privilegiado" a um parente para
afastá-lo do rigor da Justiça etc. Não se arrefecer a indignação ou sustar o
processo. Tampouco legalizar o ilegal ou perdoar o imperdoável. Quem sabe,
aprimorar o Comportamento Nacional Bruto daqui para a frente: "Quero o
impeachment da Dilma; não vou mais pedalar"! "Quero acabar com a
corrupção em Brasília, não pagarei propina a fiscais"! "Não comprarei
carteira de motorista", "Não conquistarei contratos a custa de
agrados a agentes públicos", etc. e tal.
Depois da Semana
Santa, pouco terá mudado no Brasil e no mundo, como tampouco depois do processo
contra a presidente. Mas se condenarmos ao impeachment os pequenos (ou grandes)
deslizes éticos cotidianos já teremos feito um grande bem para a humanidade.